Salário de 793 euros já sofre carga fiscal acima do que tinha nos tempos da ʻtroikaʼ Contribuintes que não beneficiaram da eliminação da sobretaxa nem dos desdobramentos dos escalões de IRS em 2018 e 2022 foram também penalizados, este ano, pela não atualização dos escalões do imposto à taxa de inflação. Salário de 793 euros já tem carga fiscal acima da 'troika' Contribuintes que não beneficiaram da eliminação da sobretaxa nem dos desdobramentos dos escalões de IRS de 2018 e 2022 foram também penalizados, este ano, pela não atualização dos escalões do imposto à inflação. João Barros | [email protected] Isabel Patrício Os cortes de rendimentos decorrentes do "enorme aumento de impostos" aplicado no tempo da troika estão ainda bem presentes na memória dos portugueses e, embora a maioria conte agora com uma carga fiscal inferior, nem todos viram esse peso diminuir entre 2013 e 2022. As simulações feitas pela ILYA para o Jornal Económico mostram que, no caso dos contribuintes que ganham hoje cerca de 790 euros (a 14 meses), a fatia de rendimento que tem de ser entregue ao Estado aumentou, dado que não beneficiaram nem do alívio resultante do fim da sobretaxa, nem dos desdobramentos dos escalões de IRS levados a cabo em 2018 e este ano. Para estes contribuintes, a carga fiscal atual é superior em 0,48 pontos percentuais àquela que enfrentavam há cerca de dez anos. Os cálculos são de Luís Leon, fiscalista e co-fundador da ILYA, e dão conta de que os contribuintes que em 2013 auferiam 10.000 euros anuais eram sujeitos a uma carga fiscal de 17,41%. Em contraste, um português que receba hoje 11.107,72 euros (o referido ordenado acrescido de aumentos à inflação) é alvo de uma carga fiscal de 17,89%. De notar que as contas da ILYA baseiam-se em contribuintes não casados e sem filhos. "Os contribuintes que em 2013 ganhavam 10.000 euros, antes de IRS e Segurança Social, (715 euros por mês) pagavam IRS, mas não pagavam sobretaxa. Estes contribuintes também não foram beneficiados pelo desdobramento dos escalões de IRS, que aconteceu em 2018 e 2022. Por isso, considerando aumentos salariais entre 2013 e 2022 correspondentes à taxa de inflação, estes contribuintes passaram a ter mais rendimento tributado, aumentando ligeiramente a carga fiscal", observa Luís Leon. Convém explicar que a sobretaxa de IRS foi definida em 2011, quando o país entrou no programa de ajustamento associado ao pedido de resgate financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta medida materializou-se numa "taxa de 3,5%, que era aplicável ao rendimento coletável acima do salário mínimo nacional", sendo o rendimento coletável igual ao rendimento bruto menos 4.104 euros. Ora, com a eliminação desta exigência extraordinária, o que se efetivou em 2017 para trabalhadores por conta de outrem e pensionistas, houve uma redução da carga fiscal para uma boa parte dos contribuintes, mas quem já não pagava sobretaxa não teve qualquer benefício. Por outro lado, o desdobramento dos escalões de IRS de 2018 e 2022 trouxe um alívio fiscal para uma fatia dos contribuintes, mas não atingiu os portugueses em causa nesta simulação. Mais, como este ano o Governo não atualizou os escalões de IRS à inflação, estas famílias, acabaram por ser penalizadas [ver texto ao lado], nos casos em que viram os salários atualizados em linha com os preços, destaca Luís Leon. "Mesmo não tendo havido atualização dos escalões [em 2022], houve um grupo que foi compensado [nos últimos anos] por uma política de alteração de taxas marginais, que inclui a sobretaxa e desdobramentos, e outro, mais pobre, que não foi compensado", aprofunda Susana Peralta, professora na NOVA SBE e economista. E detalha: "Há quem tenha sido parcial ou totalmente compensado, ou até mais do que isso, pela não variação dos escalões, que, apesar de tudo, são os menos pobres". A professora estima, ainda assim, que o grupo de contribuintes que "não foi compensado" e conta agora com uma carga fiscal mais elevada corresponde a "uma realidade pouco substancial". Isto tanto em número de portugueses afetados, como no que diz respeito ao montante cobrado pelo Estado, projeta a especialista. ----- Governo "penaliza famílias" ao não atualizar escalões de IRS O Governo decidiu não atualizar este ano os escalões de IRS à inflação, o que, segundo os fiscalistas, é desvantajoso para as famílias. Isabel Patrício | [email protected] João Barros O Governo optou por não atualizar, este ano, os escalões do IRS à taxa de inflação, argumentando que, quando há mudanças estruturais - como o desdobramento dos patamares em causa previsto no Orçamento do Estado para 2022 -, tal não deve ser feito. Numa altura em que os preços têm atingido níveis recorde, os fiscalistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) salientam, contudo, que tal decisão acabou por penalizar as famílias e avisam que não é previsível que o rendimento, eventualmente, "perdido" por esta via venha a ser compensado no próximo ano, mesmo que os escalões do imposto sobre o rendimento sejam atualizados em 2023. Luís Leon, fiscalista e co-fundador da ILYA, explica que é possível comparar a progressividade do IRS a uma distribuição por baldes. Ou seja, "cada escalão é como um balde, onde cabe rendimento, e tem uma taxa. O rendimento que ultrapasse o limite do balde passa para o balde seguinte e paga IRS a uma taxa mais alta". Perante este modelo, atualizar os escalões é equivalente a "aumentar o tamanho de cada balde", permitindo que mais rendimento "encaixe" num determinado patamar, sem se aumentar a taxa. Assim, destaca Luís Leon, "sempre que não se atualizam os escalões, qualquer aumento de rendimento que a pessoa tenha vai ser tributado à taxa mais alta de IRS". Num momento em que o rendimento tem crescido à boleia dos preços (ainda que não ao nível da inflação), a não atualização dos escalões decidida pelo Governo, é, pois, sinónimo de um "agravamento da carga fiscal" para algumas famílias, considera o co-fundador da ILYA. "Só não é assim quando se baixam as taxas de IRS de cada escalão. Isto aconteceu em 2018 e 2022, com a criação de novos escalões, mas só para os contribuintes com rendimentos abrangidos pelos novos escalões", afirma o fiscalista. Na mesma linha, Nuno Cunha Barnabé, fiscalista e sócio da Abreu Advogados, realça que as famílias abaixo do terceiro escalão (um dos dois que foi alvo de um desdobramento no Orçamento do Estado para este ano) não beneficiaram dessa mudança, em termos de alívio fiscal, e acabaram, por outro lado, a ser penalizadas pela não atualização dos patamares de rendimento à taxa de inflação. Ou seja, foram "duplamente" prejudicadas, observa o especialista. O sócio da Abreu Advogadas defende, além disso, que "não faz sentido" o argumento do Governo de que em anos com mudanças estruturais não se faz a atualização dos escalões, já que nem historicamente é isso que tem acontecido, nem há garantia de que essas alterações abranjam todos os contribuintes, como acontece com uma atualização generalizada dos patamares de rendimentos. Nuno Cunha Barnabé avisa, além disso, que mesmo que o Orçamento do Estado para 2023 traga uma atualização desses escalões - o que, tal como o Jornal Económico já avançou, está a ser estudado no seio do Executivo -, as famílias não serão integralmente compensadas. Isto porque, antecipa o sócio da Abreu Advogados, tal medida deverá ter por base a inflação prevista para 2023, que deverá ser inferior à que está a ser registada neste momento. Resultado? "O poder de compra vai sair fortemente comprimido", alerta o fiscalista. Também para Raquel Galinha Roque, senior partner da CRS Advogados, a decisão do Governo acabou por ter um "impacto na disponibilidade financeira das famílias", pelo que esta fiscalista apela, em paralelo, a uma revisão das deduções específicas e à coleta, no sentido de mitigar o peso da inflação e dos impostos sobre o rendimento dos portugueses.
Salário de 793 euros já sofre carga fiscal acima do que tinha nos tempos da ʻtroikaʼ
Salário de 793 euros já sofre carga fiscal acima do que tinha nos tempos da ʻtroikaʼ Contribuintes que não beneficiaram da eliminação da sobretaxa nem dos desdobramentos dos escalões de IRS em 2018 e 2022 foram também penalizados, este ano, pela não atualização dos escalões do imposto à taxa de inflação. Salário de 793 euros já tem carga fiscal acima da 'troika' Contribuintes que não beneficiaram da eliminação da sobretaxa nem dos desdobramentos dos escalões de IRS de 2018 e 2022 foram também penalizados, este ano, pela não atualização dos escalões do imposto à inflação. João Barros | [email protected] Isabel Patrício Os cortes de rendimentos decorrentes do "enorme aumento de impostos" aplicado no tempo da troika estão ainda bem presentes na memória dos portugueses e, embora a maioria conte agora com uma carga fiscal inferior, nem todos viram esse peso diminuir entre 2013 e 2022. As simulações feitas pela ILYA para o Jornal Económico mostram que, no caso dos contribuintes que ganham hoje cerca de 790 euros (a 14 meses), a fatia de rendimento que tem de ser entregue ao Estado aumentou, dado que não beneficiaram nem do alívio resultante do fim da sobretaxa, nem dos desdobramentos dos escalões de IRS levados a cabo em 2018 e este ano. Para estes contribuintes, a carga fiscal atual é superior em 0,48 pontos percentuais àquela que enfrentavam há cerca de dez anos. Os cálculos são de Luís Leon, fiscalista e co-fundador da ILYA, e dão conta de que os contribuintes que em 2013 auferiam 10.000 euros anuais eram sujeitos a uma carga fiscal de 17,41%. Em contraste, um português que receba hoje 11.107,72 euros (o referido ordenado acrescido de aumentos à inflação) é alvo de uma carga fiscal de 17,89%. De notar que as contas da ILYA baseiam-se em contribuintes não casados e sem filhos. "Os contribuintes que em 2013 ganhavam 10.000 euros, antes de IRS e Segurança Social, (715 euros por mês) pagavam IRS, mas não pagavam sobretaxa. Estes contribuintes também não foram beneficiados pelo desdobramento dos escalões de IRS, que aconteceu em 2018 e 2022. Por isso, considerando aumentos salariais entre 2013 e 2022 correspondentes à taxa de inflação, estes contribuintes passaram a ter mais rendimento tributado, aumentando ligeiramente a carga fiscal", observa Luís Leon. Convém explicar que a sobretaxa de IRS foi definida em 2011, quando o país entrou no programa de ajustamento associado ao pedido de resgate financeiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta medida materializou-se numa "taxa de 3,5%, que era aplicável ao rendimento coletável acima do salário mínimo nacional", sendo o rendimento coletável igual ao rendimento bruto menos 4.104 euros. Ora, com a eliminação desta exigência extraordinária, o que se efetivou em 2017 para trabalhadores por conta de outrem e pensionistas, houve uma redução da carga fiscal para uma boa parte dos contribuintes, mas quem já não pagava sobretaxa não teve qualquer benefício. Por outro lado, o desdobramento dos escalões de IRS de 2018 e 2022 trouxe um alívio fiscal para uma fatia dos contribuintes, mas não atingiu os portugueses em causa nesta simulação. Mais, como este ano o Governo não atualizou os escalões de IRS à inflação, estas famílias, acabaram por ser penalizadas [ver texto ao lado], nos casos em que viram os salários atualizados em linha com os preços, destaca Luís Leon. "Mesmo não tendo havido atualização dos escalões [em 2022], houve um grupo que foi compensado [nos últimos anos] por uma política de alteração de taxas marginais, que inclui a sobretaxa e desdobramentos, e outro, mais pobre, que não foi compensado", aprofunda Susana Peralta, professora na NOVA SBE e economista. E detalha: "Há quem tenha sido parcial ou totalmente compensado, ou até mais do que isso, pela não variação dos escalões, que, apesar de tudo, são os menos pobres". A professora estima, ainda assim, que o grupo de contribuintes que "não foi compensado" e conta agora com uma carga fiscal mais elevada corresponde a "uma realidade pouco substancial". Isto tanto em número de portugueses afetados, como no que diz respeito ao montante cobrado pelo Estado, projeta a especialista. ----- Governo "penaliza famílias" ao não atualizar escalões de IRS O Governo decidiu não atualizar este ano os escalões de IRS à inflação, o que, segundo os fiscalistas, é desvantajoso para as famílias. Isabel Patrício | [email protected] João Barros O Governo optou por não atualizar, este ano, os escalões do IRS à taxa de inflação, argumentando que, quando há mudanças estruturais - como o desdobramento dos patamares em causa previsto no Orçamento do Estado para 2022 -, tal não deve ser feito. Numa altura em que os preços têm atingido níveis recorde, os fiscalistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) salientam, contudo, que tal decisão acabou por penalizar as famílias e avisam que não é previsível que o rendimento, eventualmente, "perdido" por esta via venha a ser compensado no próximo ano, mesmo que os escalões do imposto sobre o rendimento sejam atualizados em 2023. Luís Leon, fiscalista e co-fundador da ILYA, explica que é possível comparar a progressividade do IRS a uma distribuição por baldes. Ou seja, "cada escalão é como um balde, onde cabe rendimento, e tem uma taxa. O rendimento que ultrapasse o limite do balde passa para o balde seguinte e paga IRS a uma taxa mais alta". Perante este modelo, atualizar os escalões é equivalente a "aumentar o tamanho de cada balde", permitindo que mais rendimento "encaixe" num determinado patamar, sem se aumentar a taxa. Assim, destaca Luís Leon, "sempre que não se atualizam os escalões, qualquer aumento de rendimento que a pessoa tenha vai ser tributado à taxa mais alta de IRS". Num momento em que o rendimento tem crescido à boleia dos preços (ainda que não ao nível da inflação), a não atualização dos escalões decidida pelo Governo, é, pois, sinónimo de um "agravamento da carga fiscal" para algumas famílias, considera o co-fundador da ILYA. "Só não é assim quando se baixam as taxas de IRS de cada escalão. Isto aconteceu em 2018 e 2022, com a criação de novos escalões, mas só para os contribuintes com rendimentos abrangidos pelos novos escalões", afirma o fiscalista. Na mesma linha, Nuno Cunha Barnabé, fiscalista e sócio da Abreu Advogados, realça que as famílias abaixo do terceiro escalão (um dos dois que foi alvo de um desdobramento no Orçamento do Estado para este ano) não beneficiaram dessa mudança, em termos de alívio fiscal, e acabaram, por outro lado, a ser penalizadas pela não atualização dos patamares de rendimento à taxa de inflação. Ou seja, foram "duplamente" prejudicadas, observa o especialista. O sócio da Abreu Advogadas defende, além disso, que "não faz sentido" o argumento do Governo de que em anos com mudanças estruturais não se faz a atualização dos escalões, já que nem historicamente é isso que tem acontecido, nem há garantia de que essas alterações abranjam todos os contribuintes, como acontece com uma atualização generalizada dos patamares de rendimentos. Nuno Cunha Barnabé avisa, além disso, que mesmo que o Orçamento do Estado para 2023 traga uma atualização desses escalões - o que, tal como o Jornal Económico já avançou, está a ser estudado no seio do Executivo -, as famílias não serão integralmente compensadas. Isto porque, antecipa o sócio da Abreu Advogados, tal medida deverá ter por base a inflação prevista para 2023, que deverá ser inferior à que está a ser registada neste momento. Resultado? "O poder de compra vai sair fortemente comprimido", alerta o fiscalista. Também para Raquel Galinha Roque, senior partner da CRS Advogados, a decisão do Governo acabou por ter um "impacto na disponibilidade financeira das famílias", pelo que esta fiscalista apela, em paralelo, a uma revisão das deduções específicas e à coleta, no sentido de mitigar o peso da inflação e dos impostos sobre o rendimento dos portugueses.